sexta-feira, 22 de junho de 2007

Primeira Pessoa x Terceira Pessoa: O retorno! (Parte 2 de 2)




Hoje, seguindo a sequencia dos dois comentários sobre o tema "Primeira Pessoa X Terceira Pessoa", estarei colocando aqui o comentário do Victor, da Imagem e Som aqui da UFSCar, de 2004 (a mesma turma do Felipe). Conheci essas figuras numa disciplina do semestre passado (Teoria dos Jogos) e hoje estou ajudando num curta bacana que eles (e mais um pessoal muito talentoso) estão produzindo... quem sabe mais no futuro eu escreva sobre isso? Bom, aí vai o comentário! (Comentários de pessoas de outras áreas também são muito bemvindos!).

obs. Nunca imaginei que uma discussão que eu comecei com eles via msn fosse tomar estas proporções!

Oi Fozzy!

Vou começar fazendo um desvio no tema do tópico:
Imersão, para mim, tem a ver com você desligar-se da sua realidade e (dã) imergir num mundo outro, que oferece sensações diferentes, histórias diferentes, etceteras diferentes.
Eis o grande papel da imersão: suscitar uma suspensão da descrença [conceito muito usado em teoria do cinema. o espectador cessa de desacreditar no caráter construído daquilo que vê (afinal, são só imagens bidimensionais que representam a realidade tridimensional) - e imerge naquela narrativa, se identifica com os personagens, compartilha sensações, enfim]

E o cinema (e os jogos, herdeiros de certas tradições cinematográficas) tem um tipo de guia, de fórmula a seguir. Sai Arqueólogo Intrépido, entra Pirata Simpático. Sai Darth Vader, entra Agente Smith.

Por mais que as HISTÓRIAS contadas sejam diferentes, as SENSAÇÕES são muito semelhantes. Fundamentalmente consegue-se essa identificação com o protagonista (homem, branco, heterossexual) através de uma câmera-cúmplice. O espectador vê mais ou menos o que o personagem vê. Compartilhando esse olhar, tanto o espectador quanto o personagem se assustam, se apaixonam, se emocionam com as mesmas coisas, mais ou menos. Um exemplo clássico é o do 'Vertigo' do Hitchcock. Você só vê o que o protagonista vê (mas raramente PELOS OLHOS DELE), durante a primeira metade do filme. E com isso, protagonista e espectador tornam-se ligados, vinculados.

Na segunda metade do filme, você conhece outro ponto de vista - que o protagonista desconhece, o que só aumenta o suspense! Você sabe de algo crucial que o seu camarada ali na tela nem imagina!!! Oh, que agonia! (Você sabe do que eu estou falando. Quando a câmera assume o ponto de vista do vilão, prestes a assassinar o mocinho desavisado, por exemplo)

É - bem toscamente explicado - mais ou menos esse o mecanismo de identificação entre protagonista e espectador. Se quiser se aprofundar no assunto, vide Ismail Xavier - O Discurso Cinematográfico: Opacidade e Transparência.


A imersão. Sim, a imersão.
Há uma prova pelo absurdo de que ver pelos olhos do protagonista (com quem espera-se criar identificação) não funciona muito bem. Tem um filme com o Humphrey Bogart, que é sobre um ladrão que faz uma cirurgia plástica pra fugir das autoridades. As primeiras sequências são inteiramente feitas em primeira pessoa. Aí o cara faz a tal cirurgia plástica e ganha a cara do Bogart e a câmera "sai".

Talvez não seja só por esse motivo (não vi o filme), mas esse procedimento causou uma estranheza muito grande no público. O filme - cujo nome eu não me recordo - foi um fracasso de bilheteria.
De todo modo, o cinema historicamente preferiu que o espectador se veja projetado na tela, e não DENTRO da tela.


Passo aos games:

Ando meio desatualizado, mas já joguei vários jogos em primeira pessoa e vários em terceira. O que há de comum entre todos os jogos em primeira pessoa: o risco de ser pego de surpresa por um inimigo fora do seu campo de visão, a ilusão de perspectiva mais acentuada, uma violência maior CONTRA a câmera/seus olhos. Entretanto, esses jogos - como disse acima - seguem um padrão. Há os jogos mais assustadores e os menos, os gráficos mais realistas e os menos (só consigo lembrar daquele Shooter do South Park pra N64. É quase regra os shooters almejarem a um realismo extremado). O que eu quero dizer é que em EM LINHAS GERAIS, não tem muita diferença em jogar DoD, Counter-Strike, Unreal, Deus EX... as SENSAÇÕES são mais ou menos as mesmas.


Toda essa discussão surgiu por causa da bugiganga que estão inventando, na qual o jogador, dentro de uma roupa especial, com uma câmera projetada sobre ele e uma tela à sua frente, SE VÊ dentro de um game, interagindo com aliados, inimigos e o escambau. Porque eu acho que é uma experiência muito mais rica SE VER num trem desses do que VER O MUNDO com um trem desses: é uma sensação nova, pouco explorada pelos games. Ver-se descorporalizado, ou então re-corporalizado. Ver-se em outro corpo, caralho. Agindo, pulando, andando. É o seu corpo que pula. Mas você não vê o mundo chacoalhando, você vê um outro corpo (virtual) obedecendo ao que o seu corpo físico manda.

Com essa ciência de que os shooters em primeira pessoa via de regra almejam ao realismo, e percebendo que a computação gráfica ainda está muito abaixo do REAL (que me desculpem todas essas modelos virtuais "gostosérrimas", mas elas ainda estão muito mais perto da Barbie do que da Pamela Anderson), eu tenho a sensação que um aparato desse, em primeira pessoa, seria quase como um paintball piorado. Onde eram fotons-reais, agora são uns pixels-realistas. Não dá pra comparar.


Agora, essa experiência de descorporalização é algo muito mais instigante para mim. Você nunca se divertiu fazendo algum bonequinho em algum jogo fazer algo ridículo, ou estúpido, ou erótico, ou o que seja? Eu já (mas não lembro de exemplos).
Mas e se ao executar esse comando, o meu próprio corpo estivesse também se sujeitando ao ridículo?

São perguntas como estas que me levam - neste primeiro momento, e no caso daquele aparelhinho em particular - em direção à descorporalização, e não à "imersão". Ao invés de REPRESENTAR o avatar, o Outro, através de um joystick, ou um teclado, SER o avatar.

Sei lá. Novas maneiras de estar no mundo.


Acabou não cabendo um comentário sobre o Katamari, mas se a discussão continuar, quem sabe.


Abraços!

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